sexta-feira, 21 de março de 2014

Aquela coisa do sapo virando príncipe? Não é o caso


A feiura é fundamental pelo menos para o entendimento desta história, é essa a dica para quem pretende ler A mulher que escreveu a Bíblia

“... Tinha de ceder à tentação do vulgar: recebida a mercadoria, queria examiná-la in totum, au grand complet .”  é com essa passagem do livro que traduzo a leitura da obra A mulher que escreveu a Bíblia, livro de Moacyr Scliar,  uma obra interessante que adquiri em uma troca de livros, atualmente chamada de Book Crossing que aconteceu no Café e Livraria da Praça. Posso dizer que o livro é realmente uma tentação, assim como a maçã que Eva ofereceu para Adão no jardim do Éden. Mais do que isso, é a representação concreta do desejo incontrolável, insaciável e voraz. No caso, não um desejo sexual - que seria a mais viável alusão – e sim um desejo de consumar mais do que rapidamente aquela leitura gostosa, entorpecedora, na qual o leitor não consegue se controlar e ferozmente devora cada página do livro, envolvido pela magia e sedução que o autor conseguiu transmitir com suas palavras.
Pode até parecer de mau gosto, mas é com vulgaridade, erotismo, conhecimentos bíblicos e falta de rodeios que Moacyr envolve os leitores. Os conservadores letrados e amantes da literatura diriam que a obra é a típica leitura comercial, pobre e de consumo rápido, porém, após a leitura pode se dizer que A Mulher que escreveu a Bíblia vai além, assim como a personagem principal – que é muito feia. Tadinha -, a obra pode ser considerada feia, isso mesmo, de péssimo gosto se avaliados os padrões da “boa literatura”. Entretanto, assim como a “feiosa”, a obra tem seus atrativos e pode conseguir conquistar até os que se dizem mais sábios... Rei Salomão que o diga.
 A nova versão de quem escreveu a Bíblia pode ser degustada facilmente pelos amantes  de um bom livro, com uma escrita ligeira, de palavras simples e poucos meandros, a obra consegue conciliar dois tempos distintos em uma harmonia legal e envolvente. É como se o leitor estivesse no harém de Salomão com suas setecentas mulheres e trezentas concubinas, mas conseguisse falar com as gírias e anseios de hoje em dia. De repente, é como se você estivesse assistindo não a uma sessão de terapia de vidas  passadas, onde um paciente conta suas mazelas vividas no século X a. c. Mas como se estivesse presenciando uma terapia contemporânea, onde as angústias sexuais, estéticas e culturais de uma mulher, por exemplo, continuam vivas. Não uma viagem ao passado onde as “fêmeas” sabiam seu lugar, mas como uma realidade de uma entre milhares de mulheres obscuras, longe dos “holofotes” do rico e belo rebanho de mulheres do hárem de Salomão.
Com uma linguagem que transita entre os jardins suspensos da Babilônia e os becos sem saneamento de uma favela brasileira, Moacyr consegue harmonizar a elevada dicção bíblica com o mais baixo calão da contemporaneidade. A leitura é fácil, rápida e gostosa e acredito que vale a pena ler, mais do que prazer,  a leitura traz uma libertação como a sentida  pela mulher que escreveu a Bíblia. No fim do livro ela...
Não vou dizer, né? Já que a leitura é rápida e gostosa, descubra e depois me conta que sentimento de liberdade é esse que essa mulher com doses de feiura, sacanagem e palavras chulas conseguiu nos transmitir.  Beleza não tinha, mas era a única que sabia ler e escrever.

Nenhum comentário:

Postar um comentário